Em termos bem sintéticos, a editoração acadêmica compreende a revisão e a formatação dos textos antes de que eles tenham o destino para o qual foram redigidos.
A tese, segundo a retórica minimalista, deve expor a invenção por intermédio do argumento a cada tópico; a disposição preconiza que cada elemento tenha seu devido lugar; a elocução se pressupõe elegante e discreta; a memória requer as referências ao que foi emulado e parafraseado; e a enunciação se deseja eficaz e convincente.
Oportet igitur esse in oratore inventionem, dispositionem, elocutionem, memoriam, pronuntiationem. (Rhetorica ad Herennium I, 3)
De modo mais abrangente, a editoração, no mundo acadêmico das teses, dissertações e artigos, refere-se ao conjunto de operações necessárias para que um manuscrito (assim se diz, mesmo se é um documento escrito o computador) esteja apto à publicação (em sentido lato: apresentado ao público), quer seja o depósito para a defesa, a submissão a um periódico, sua transformação em livro ou adaptação a quaisquer mídias: a editoração também se aplica aos textos que serão publicados em um CD-ROM, ou um site.
A editoração acadêmica compreende a análise e aferição de diversos aspectos:
- aplicação das regras de normalização do destinatário do texto;
- estrutura dos argumentos;
- verificação das citações e bibliografia;
- revisão linguística;
- análise de conteúdo e refinamento da expressão;
- paginação, paragrafação;
- layout, composição;
- indexação e linkagens.
Porque chamamos a revisão e formatação de editoração acadêmica
A nomenclatura tem base racional do que apontamos no início: nós preferimos dizer “editoração acadêmica”, ao invés de “edição” ou “preparação de textos”, porque edição remeteria mais à reprodução, publicação e difusão comercial da obra, enquanto editoração compreende o conjunto das atividades funcionais de um editor (seleção de originais, supervisão da preparação de originais, escolha da tipologia, assentamento da diagramação, preparação e revisão de originais e manuscritos). A editoração acadêmica se lembra de todas as fases listadas – no estrito campo da produção científica e tecnológica. Fazemos essa escolha em detrimento do uso de uma palavra estrangeira cujo significado é menos transparente a nosso intelecto e dá origem a interpretações imprecisas, principalmente no que isso coincide com a fase de edição. A edição são as fases de trabalho que não exigem cultura, editoração está ligada ao otium e edição ligada ao negotium – para fazer uma referência medieval.
Cozinha editorial acadêmica
A cozinha editorial é onde se processam as receitas editoriais, a expressão se reporta à aplicação das normas editoriais de cada instituto ou de cada mídia – e ao corpo editorial que faz a revisão e a formatação.
Cada mídia (editora, revista, site...) tem seu próprio conjunto de padrões de uniformidade editorial, cada universidade e cada programa de pós-graduação adota as normas que acha pertinentes. Claro, existem os grandes padrões normativos: ABNT, o mais genérico no Brasil; Vancouver, amplamente adotado para os textos das áreas da saúde; APA, o estilo mais completo e em crescente emprego entre as universidades brasileiras, e diversos outros. Mas a norma, ao fim e ao cabo, é sempre a interpretação que a pessoa responsável pela adição do texto faz: quando se trata de uma tese, primeiro a norma tem que ser o que o orientador pensa ela seja; depois, é necessário que o texto esteja de acordo com o que alguma bibliotecária deseja ver; por fim, é necessário que o volume esteja de acordo com a interpretação da pessoa encarregada de receber a tese em depósito!
Uma vez que as regras ou as interpretações delas sejam diferentes de uma universidade para outra, de um veículo de publicação para outro, os padrões hoje são normalizados transversalmente: o serviço tenta ser feito de modo que independa de as normas serem clones de um espécime primitivo de que se perdeu a memória; por exemplo: ABNT “versão” revista tal ou faculdade tal. As alterações são mínimas, só que as normas não parecem ter sido copiadas, mesmo se elas são. Melhor assim, pelo menos para os formatadores, que não são obrigados a trocar de chapéu quando trabalham para este ou aquele autor.
Burocracia e sacralidade da uniformidade editorial
Sempre ficamos impressionados com o fato de que normas editoriais acadêmicas, que se destinam a dar elegância ao texto, na maior parte dos trabalhos são apresentadas com desleixo, com um layout áspero e duro de ler, com uma programação visual arcaica e simplória – sempre como obstáculos para obtenção de informação pelo leitor. Por exemplo, muitas vezes faltam os índices, o que seriam muito úteis. No entanto, pense sobre isso, não é surpreendente se apliquem as regras da burocracia, mesmo em seu aspecto material, levantando-se querelas e polêmicas sobre questões que em nada afetam a legibilidade ou confiabilidade do texto. Na verdade, não estamos afirmando que burocracia deve ser revogada, e muito menos que a burocracia editorial acadêmica seja sempre ruim: estamos dizendo é que as pessoas não sabem ir além dela. As pessoas simplesmente não aplicam o princípio segundo o qual o que não é vedado é permitido! Em função disso não se inova e as teses continuam a vir à luz como se tivessem sido datilografadas na década de 1950.
Análise de conteúdo e refinamento da expressão
A fase mais difícil e mais longa é a revisão editorial linguística, e é ela que determina – com maior peso – se o produto será um texto bom ou um texto desleixado.
A refinação da expressão não deve ser confundida com a revisão mecânica (ortografia, sintaxe...), porque essa revisão linguística diz respeito basicamente a pureza e elegância da exposição, enquanto refino perseguido nesta fase refere-se à eficácia da comunicação e está em estreita relação com o conteúdo. Por exemplo, é necessário que sejamos capazes de identificar possíveis falácias de ambiguidade, apontando onde o discurso se desviará e deveremos considerar convenientemente as formas possíveis de compreender cada mudança de frase.
A contribuição do revisor acadêmico nessa fase é muito importante, especialmente para os textos científicos (em sentido lato: livros, artigos, teses de Filosofia, Matemática, Filologia, Sociologia, Economia) e para aqueles de caráter informativo.
Revisão linguística acadêmica
Até antes da fase de revisão editorial, a revisão linguística, é (ou deveria ser) importante. Hoje, mais do que nunca, porque, bem se sabe, as escolas de ensino médio não são mais aquelas de outrora; nem todos os autores estão bem equipados para a comunicação escrita. Em primeira instância, revisão linguística refere-se a pureza e elegância de linguagem e, embora limitada por ela, realizada sob os auspícios da pretensa uniformidade da norma culta, no caso dos textos acadêmicos.
A revisão linguística de boa qualidade deve endireitar algumas voltas da frase que são influenciadas pela involução de língua portuguesa moderna, a favor de expressões na voz passiva, tendendo para a chamada substantivação. Por exemplo, “o acesso à informação é obtido por meio de um procedimento simples...”. Muito melhor seria dizer “acessar as informações por procedimento simples...”. Eu sei que é difícil deixar claro para alguns que a primeira formulação é desagradável, porque os olhos e ouvidos estão acostumados a coisas assim, mas os princípios da concisão e economia de palavras são quase imperativos no texto científico – ou deveriam ser! É uma pena que tão pouco e tão raramente se recorra aos revisores, por várias razões, basicamente: a ignorância, preguiça, soberba e a avareza.
A arte de pensar e se expressar
Há também uma revisão linguística mais sutil e mais profunda. Apenas considere – estou me referindo especialmente à não-ficção – que quase todas disciplinas, especialmente as mais recentes, fazem uso de neologismos e jargão. Mas se o autor quer se dirigir a alguém de fora da disciplina, o nó do jargão – pelo menos ao primeiro uso – deve ser desatado.
Só para dar um exemplo, em um trabalho de pesquisa sociológica o “ator” não é aquele que representa um personagem, mas aquele que exerce um papel ativo em determinado contexto e isso deve ser dito quando o termo surge pela a primeira vez. Esse exemplo nos ajuda a compreender como as etapas editoriais devem revisar e interagem de perto. Assim, o termo “sujeito” tem acepções distintas em sintaxe ou em psicologia, o que é bastante óbvio para os iniciados, mas não para os iniciantes.
Portanto, na ausência da análise de conteúdo, a linguagem pode ficar superficial, ou a interpretação pode ficar equivocada por tais desvios semânticos. Na verdade, isso acontece com frequência. A tarefa do bom revisor é clara, sabe-se que “quem fala mal, pensa mal”.
Estruturação dos argumentos
A estruturação dos argumentos é a “fase b” de revisão editorial real, mas é também parte da editoração no sentido restrito que mencionamos acima. Se o revisor precisa tomar cuidado na análise de conteúdo, a estruturação é algo completamente trivial durante a formatação – mas também deve ser verificada. Na prática, consiste determinar quais títulos são de nível 1, nível 2 ou 3 e atribuir os chamados estilos de parágrafo. São coisas fáceis de fazer, se você estiver usando um processador de texto como o Microsoft Word – mas que a grossa maioria dos autores nem tem ideia de que precise ser feito.
Inserção de tabelas e gráficos
A estruturação dos argumentos torna-se um negócio sério para o formatador, especialmente quando o texto tem informações que se devem mesclar convenientemente em tabelas, ou quando as tabelas fornecidas pelos autores podem ser definidos de forma diferente, ou mesmo ser convertidos em gráficos.
O formatador especialista vai decidir, com pleno conhecimento dos fatos, o que fazer quanto à forma e formatação de tabelas ou gráficos, ao invés de deixar como o autor foi capaz, pois este tem conhecimentos precários das ferramentas editoriais e das possibilidades existentes. O formato também é questão de conteúdo, as ferramentas estão disponíveis para todos.
Muitos artigos, dissertações e teses contendo figuras e tabelas se mostram frágeis já de relance, especialmente se eles são de uma área que normalmente não inclui ilustrações e tabelas, então, não há o hábito de lidar com este tipo de questões. Apesar dos progressos da composição e paginação eletrônica, soluções corretas em termos de apresentação de conteúdo e equilibradas no layout são ainda bastante raras em relação ao estado da arte. Isto é devido à incompetência de uns e até mesmo à falta total de revisão editorial.
Controle de referências
Há algum tempo, a correta aplicação das normas de referência dependia muito da experiência e competência do formatador. Atualmente, um artigo ou tese com editoração ligeiramente moderna, ou seja, com todos os títulos de tamanhos adequadamente ajustados, com as referências controladas eletronicamente, possibilita navegar entre os dados e a composição automática das listas de referência em quase todas das principais normas requeridas, mas esse tipo de coisa é geralmente difícil de ser encontrada. Volta o comentário de que os autores não sabem usar as ferramentas do Word e seguem fazendo citações e listas de referências como se estivesse usando máquina de escrever!
Controle de citações
No que se refere o controle de citações, parece estranho, mas aqui o autor deve controlar o que escreve. Claro, o formatador não pode controlar tudo, então o autor deverá manter o controle das paráfrases e as referências, é possível, ou não? No entanto, existem casos onde os sinos de alarme fazem um som que o revisor não pode deixar de ouvir. Os erros mais frequentes encontram-se em citações de livros traduzidos: nada mais fácil do que a citação, embora curta, contenha erros em português. Em nossa opinião, cabe aos autores evitar as citações traduzidas com erros em nossa língua: o revisor fica impotente diante dessas situações.
Últimos retoques, paginação, indexação
Se o formatador usa o mesmo programa que o autor, o Word em 90% dos casos, ele deve preparar o material distribuindo os elementos: aqui o texto, aqui fotografias e desenhos, legendas, aqui as tabelas (se o autor não tiver sido é capaz de fazê-lo sozinho) – não precisa ficar tudo centralizado, principalmente se forem imagens ou gráficos pequenos. Claro, o autor deve especificar os pontos de inserção de texto das figuras, tabelas. Se o manuscrito contém apenas texto, tudo se torna mais fácil, o formatador move o texto corretamente formatado e editorado (felizmente, é verdade) para um template ou aplica o modelo Word ao arquivo existente, se não estiver muito corrompido na origem, com vírus de macro, por exemplo.
Alternativamente, se o manuscrito é particularmente complexo, é confiado a um corpo editorial que se encarrega de todas as fases da revisão editorial, bem como da preparação e retoque de fotos, layout, elementos gráficos. A maioria dos trabalhos confiados a nossos cuidados pertence a esta categoria.